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terça-feira, 9 de julho de 2024
Como as pessoas viam o futuro da aviação comercial ao longo do tempo (parte 1)
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aviacaocomercial.net
Anos 1900 - Utilidade prática
No inicio da aviação comercial voar era realmente uma aventura. Os pilotos eram guiados por referências visuais como estradas e estações de trem, por isso não ainda existiam voos noturnos. E mesmo durante o dia os acidentes eram comuns. O luxo ficava por conta do preço da passagem e pelo menor tempo de viagem. Os aviões não eram pressurizados e nem climatizados. Os motores eram tão barulhentos que mal dava para escutar a voz das pessoas. Também era comum os passageiros precisarem vestir casacos de couro pesados, óculos e capacete para proteger do vento e do frio.
"Portanto, balões dirigíveis ou aeroplanos nunca poderão transportar senão pequenas cargas, e não marcharão senão com velocidades muito inferiores ás que têm sido supostas pelos poétas e pelos imaginativos."
Essa frase foi a opinião de um jornalista, publicada em julho de 1901. Nessa época personalidades como Santos Dumont já haviam provado que era possível voar, através das suas invenções: balões e dirigíveis (balão com motor). Nessa altura começava a surgir uma outra invenção, o aeroplano. A disputa entre "o mais leve que o ar" (balões e dirigíveis) e o "mais pesado que o ar" (aeroplanos) - como era chamado na época - era o assunto entre os entusiastas da aviação. Ainda com um longo caminho para se desenvolver, os mais otimistas já conseguiam ver as vantagens dos aeroplanos, como maior velocidade e maior controlabilidade.
Para se familiarizar com o recém inventado 14bis, Santos Dumont prendeu-o ao seu dirigível nº14
Entretanto os mais céticos questionavam a utilidade prática dessas novas invenções. Afinal eles mal conseguiam transportar uma pessoa. Os não tão céticos acreditavam que o futuro estava mesmo nos "mais leves que o ar", pois estes eram os mais desenvolvidos naquele momento e obviamente representariam o futuro da aviação. Porém poucos anos depois os jornais estariam anunciando a "vitória do mais pesado do que o ar", seguidamente aos feitos de Santos Dumont com o 14bis e outros aviadores. Ano após ano os aeroplanos foram derrubando os obstáculos e se tornando rapidamente mais eficientes. No final da década de 1900 os jornais já afirmavam que o aeroplano era o futuro da aviação. Alguns eram ainda mais otimistas: em setembro de 1909 o capitão inglês Windham afirmava que "a travessia do oceano, em aeroplano, será considerada como coisa perfeitamente natural".
Anos 1910 - O avião na vida quotidiana
"O aeroplano jamais ocupará, na vida quotidiana um lugar tão importante como o da bicycleta, por exemplo. A massa popular não terá a coragem de se lançar pelos ares."
Na década de 1910 o mundo viu surgir as primeiras companhias aéreas e o transporte de correio aéreo. Também não demorou muito para surgirem os primeiros voos de passageiros, porém este se limitava ao transporte de luxo para pouquíssimas pessoas que podiam pagar por ele e, tão importante quanto, para os corajosos que arriscavam suas vidas ao entrar em uma máquina dessas.
No inicio da aviação comercial voar era realmente uma aventura. Os pilotos eram guiados por referências visuais como estradas e estações de trem, por isso não ainda existiam voos noturnos. E mesmo durante o dia os acidentes eram comuns. O luxo ficava por conta do preço da passagem e pelo menor tempo de viagem. Os aviões não eram pressurizados e nem climatizados. Os motores eram tão barulhentos que mal dava para escutar a voz das pessoas. Também era comum os passageiros precisarem vestir casacos de couro pesados, óculos e capacete para proteger do vento e do frio.
Foi um processo longo e demorado, mas hoje sabemos que a aviação comercial realmente atingiu a vida quotidiana das pessoas e conseguiu superar os dois obstáculos já comentados desde os anos 1910: os preços das passagens diminuíram o suficiente para o avião deixar de ser um transporte apenas de luxo e a segurança aumentou ao ponto em que podemos dizer que o transporte aéreo é o meio mais seguro de transporte no mundo.
Anos 1920 e 1930 - Os navios voadores
"O potencial economico da Norte-America assegura a continuidade do sempre crescente desenvolvimento da aviação, permitindo assim, que seus competentes technicos convertam em realidade o que, ha pouco, não passava de sonho" - artigo de jornal sobre o Boeing 314 em julho de 1938.
Embarque, desembarque, comandante e tripulação. Todos esses termos são usados até hoje na aviação e têm origem na náutica. A associação fica ainda mais clara quando lembramos que o inicio da aviação comercial era dominado pelos hidroaviões, ou seja, aeronaves que operavam na água. Esse tipo de avião se tornou popular no inicio simplesmente porque não existiam aeroportos. Para operar um avião terrestre era necessário um mínimo de infraestrutura no solo. Já os hidroaviões não precisavam de nada disso, bastava um lago, uma lagoa ou o mar. O embarque podia ser feito a pé mesmo, se a aeronave estivesse perto o suficiente da terra. E, claro, os passageiros tinham que molhar os seus pés para entrar no avião. Logo de inicio já inventaram uma espécie de "píer" improvisado de madeira onde os passageiros podiam embarcar mantendo seus pés secos e salvos. Outras possibilidades eram barcos ou lanchas que levavam os passageiros até o avião, ou ainda uma estação de embarque flutuante.
Com a construção de campos de aviação e aeroportos, os aviões terrestres começaram a disputar mais o espaço com os hidroaviões. Todavia foi nesse momento que os hidroaviões se voltaram para um novo desafio: atravessar oceanos. Muitas pessoas além de Windham achavam que era só uma questão de tempo para que os aviões fossem capazes de cruzar os oceanos. Ainda que já possível, 20 anos depois da afirmação de Windham, isso ainda não era uma "coisa perfeitamente natural". Embora o alcance ainda fosse um grande obstáculo para voos tão longos como cruzar um oceano, grandes avanços já haviam sido alcançados ainda nos anos 1920. O futuro parceria óbvio na época: navios voadores.
Os chamados "flying boats" ou "barcos voadores", eram hidroaviões e foram ficando tão grandes que mais pareciam barcos com asas. A ideia fazia todo o sentido para época: aviões grandes, luxuosos e seguros, garantindo ao passageiro uma experiência semelhante a um navio transatlântico, só que com tempo de viagem muito menor. A segurança vinha de uma constatação muito simples: ora se o avião é um "barco voador", qualquer problema, por mais grave que seja, terá como consequência um pouso no mar. Como o avião é também um barco, ele poderá ficar flutuando até que o socorro chegue. A moda do flying boat levou muitas fabricantes de aeronaves (e países) a quererem estar um passo a frente dos demais, levando a construção de aviões gigantes sem clientes, como o Dornier X, Laté 631 e Martin 156.
Mas tinha uma companhia aérea tão grande e poderosa, que conseguiu tornar a ideia de barcos voadores gigantes atravessando oceanos uma realidade, a Pan Am. O Boeing 314 era literalmente um barco com asas e um barco gigante. Seu interior era tão luxuoso quanto um navio transatlântico, com quartos de vestir separados para homens e mulheres, banheiros, cozinha elétrica para refeições completas, sala de jantar, galerias, lounges e quartos com camas. E o melhor de tudo é que o Boeing 314 fazia a viagem entre os EUA e a Europa em 24h, enquanto os navios transatlânticos demoravam 4 dias. A travessia dos oceanos por aviões com o transporte regular de passageiros finalmente havia se tornado uma realidade.
Boeing 314
No Brasil o flying boat mais famoso foi o Sikorsky S-42, pois era esse modelo que fazia o voo da Pan Am para a América do Sul. Assim como o Boeing, o S-42 era um barco com asas, porém numa escala menor. Ainda assim considerado um gigante para época, tanto que no Brasil ganhou o apelido de "Super Clipper".
De forma lenta os flying boats estavam se tornando cada vez mais conhecidos ao redor do mundo, porém o inicio da Segunda Guerra Mundial interrompeu abruptamente o transporte aéreo comercial intercontinental. Ninguém tinha razões para duvidar que após a guerra, a aviação comercial retomaria exatamente do ponto onde parou, com seus flying boats cada vez maiores, mais modernos e eficientes. E não foi nada disso que aconteceu.
Após a Segunda Guerra Mundial o reinado absoluto foi dos aviões terrestres (litoplanos). A chegada de aeronaves como o DC-7 e o Super Constellation provaram que esses modelos podiam cruzar os oceanos muito mais rapidamente do que qualquer flying boat, com custo e complexidade de operação muito mais baixo. Cerca de 40 anos depois da afirmação de Windham, finalmente a travessia do oceano, em aeroplano, se tornou coisa perfeitamente natural.
Anos 1930 - Graf Zeppelin
"Parecia uma cousa do outro mundo aquelle colosso se arrastando devagarinho pelo céu. Tive a impressão de que elle ia sendo puxado por uma corda, tão sereno era o vôo, sem uma ondulação sequer."
A frase de um jornalista que presenciou a primeira visita do Graf Zeppelin no Rio de Janeiro, em maio de 1930, ilustra perplexidade da população da cidade ao ver um balão de 236 metros de comprimento voando pelos céu. Esse era o futuro do transporte aéreo de longa distância, afirmavam os alemães. Os rigid airships ou dirigíveis já estavam em operação na Alemanha desde 1911. Agora a tecnologia já havia se desenvolvido ao ponto de produzir dirigíveis gigantescos como o Graf Zeppelin. Ele podia acomodar 20 passageiros, além de 36 membros da tripulação. Assim como os flying boats, o interior do Graf Zeppelin também foi inspirado nos navios transatlânticos. Ele tinha uma sala de jantar, onde eram servidas três refeições por dia, banheiros, cozinha e dez camarotes com janela, cômoda, mesa, 2 armários e um sofá que se transforma em duas camas.
Graf Zeppelin pousado no Rio de Janeiro
Para muitos, além dos alemães, os dirigíveis rapidamente se tornaram a solução e o futuro dos voos de longa distância. Ainda mais se lembrarmos que nessa época ainda não existiam aviões terrestres que cruzavam oceanos e nem o Boeing 314. Os dirigíveis tinham luxo e conforto, eram considerados seguros e podiam atravessar os oceanos. A ideia de ter uma rede global de voos com dirigíveis parecia só uma questão de tempo. E um dos primeiros lugares a receber voos regulares foi o Brasil, na rota Frankfurt - Rio de Janeiro, com três dias e meio de duração. A cidade do Rio construiu um hangar exclusivamente para o Graf Zepellin, no Aeroporto Bartolomeu de Gusmão. O mesmo Graf Zepellin também iniciou voos para Nova York. Em 1936 estava no ar o dirigível Hindenburg, com capacidade para até 70 passageiros.
O futuro dos dirigíveis parecia promissor, porém tudo acabou subitamente após um acidente fatal com o Hindenburg, em Nova York, em maio de 1937.
Anos 1950 e 1960 - O turboélice atropelado pelo jato
Com a vitória inteligível dos aviões que decolam e pousam em pistas na terra, prever o futuro da aviação comercial parecia simples agora. Bastava olhar a evolução da maior fabricante de aeronaves comerciais na época: DC-3 27 passageiros, DC-4 40 passageiros, DC-6 60 passageiros, DC-7 80 passageiros. Os próximos passos? Aviões a pistão cada vez maiores e mais eficientes. Nada disso!
"A 40 mil pés de altitude surge a estranha sensação de se estar em repouso absoluto no espaço, porque áquela altura a Terra que se encontra por baixo quase não apresenta sinal de movimento relativo ao avião, e este permanece sem trepidação no ar estavel. A falta de vibração e a ausencia de qualquer sinal de motor ou helice, ou de qualquer partes em movimento tornam completa essa ilusão."
Essa foi a descrição de G. Edwards, em fevereiro de 1951, criador do Vickers Viscount, sobre como é voar numa altitude ainda inédita para o grande público. Apesar do seu avião ter representado um grande avanço, esse nível de altitude só poderia ser alcançado por um tipo ainda inédito na aviação comercial: os jatos.
Lançado em 1952, o Comet poderia ser o primeiro jato comercial bem sucedido do mundo, porém acabou sendo a "cobaia" para outros fabricantes sobre o que não dá certo em um jato comercial. Ainda assim o sucesso não demorou muito, em 1958 já estava voando o Boeing 707. Da noite para o dia os grandes aviões a pistão haviam se tornando obsoletos. O DC-7C, o primeiro da Douglas que conseguia efetivamente voar sem escalas entre os EUA e Europa, e a versão mais avançada da Lockheed, Starliner, haviam sido lançados há apenas 2 anos do primeiro voo do B707. Essas aeronaves, com pouquíssimos anos de uso, foram realocadas para rotas secundárias, enquanto abriam espaço para os jatos indiscutivelmente muito superiores. Os jatos diminuíram o tempo de viagem para menos da metade, oferecendo o mesmo nível de luxo e conforto dos aviões a hélice. O voo entre Rio e Lisboa, por exemplo, foi reduzido de 22 para menos de 10 horas.
A Panair seria a primeira do Brasil a operar um jato, entretanto a encomenda para seis Comet foi cancelada após os acidentes com o modelo.
E os jatos não dominaram só as rotas longas. Ainda em 1958 decolava o primeiro jato para curtas e médias distâncias, o Caravelle. Em 1960 todas as grandes companhias aéreas do mundo já tinham sua frota de jatos e no final da década muitas companhias tinham o orgulho de anunciar que sua frota já era composta apenas por jatos. Mas será que o futuro seria apenas jatos?
Quando os grandes aviões a pistão ainda reinavam. Uma nova tecnologia estava surgindo e que poderia representar uma nova evolução do setor: os motores turboélices. Esses foram os primeiros motores com turbina, mas tiveram pouco tempo para se desenvolverem antes da chegada dos jatos. O pioneiro com motores turboélice foi o Viscount, em 1950. A aeronave foi um sucesso de vendas e comprovou as vantagens dos motores turboélice: maior potência, capacidade de decolar e pousar em pistas mais curtas, taxa de subida mais rápida, maior velocidade de cruzeiro e capacidade de voar em maior altitude. Além disso os motores turboélice se mostraram muito mais confiáveis do que os a pistão, sensíveis ao calor e ao frio excessivos, e com menor necessidade de manutenção. Contudo os motores turboélices eram mais caros, o que fez com que as fabricantes adiassem a implementação dessa nova tecnologia. A Lockheed chegou a ter um plano de lançar o Super Constellation com motores turboélices, mas o projeto foi cancelado com a chegada dos jatos. Outros modelos projetados para voos longos, já desenvolvidos com motores turboélice, como o Britannia, não tiveram chance ao competir com os jatos. Sem prever a chegada dos jatos, a Vickers foi pelo caminho de produzir um turboélice maior, o Vanguard, que também não teve chance quando os jatos chegaram.
A medida que as frotas das companhias aéreas tinham cada vez mais jatos, uma mudança começou a acontecer na malha aérea. As cidades pequenas foram sendo excluídas, uma vez que não tinham demanda e capacidade de receber os jatos. O Brasil, por exemplo, ultrapassou 300 cidades atendidas pela aviação em 1952, quando ainda não havia jatos. Em 1975 esse número havia caído para menos de 100 cidades, após a introdução dos jatos. Sorte ou não a Fokker foi uma das primeiras a enxergar o caminho do futuro. Sim, os turboélice tinham um lugar: o mercado regional. O jato pode ser veloz, mas em um voo de 1h isso não faz muita diferença. Os turboélice são indiscutivelmente mais eficientes do que os jatos em trajetos curtos, uma vez que seus motores gastam menos combustível. Fora isso podem decolar e pousar em pistas curtas e despavimentadas e de aeroportos com pouca ou nenhuma infraestrutura, coisa impossível para um jato. O Fokker F-27 foi um sucesso de vendas e a inspiração para concorrentes de outros fabricantes. Mesmo com o surgimento dos jatos regionais, a economia dos motores turboélices permaneceu imbatível para voos curtos, se mantendo relevante até hoje em dia, onde o ATR-72 é o turboélice mais popular na aviação comercial.
No final dos anos 1960 o domínio dos jatos já estava claro. Mas qual seria o futuro? Será que iríamos ver um B707 esticado para caber mais passageiros? E de fato a Boeing chegou a estudar isso, mas acabou descartando esse projeto para focar em algo totalmente novo, graças aos pedidos insistentes da Pan Am.
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