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terça-feira, 16 de julho de 2024
Como as pessoas viam o futuro da aviação comercial ao longo do tempo (parte 2)
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aviacaocomercial.net
Na parte 1 vimos que os aviões já foram considerados inúteis e que jamais iriam fazer parte da vida quotidiana da população. Quando a aviação já era uma realidade, o futuro foi imaginado com vários barcos voadores ou dirigíveis cruzando os oceanos e finalmente um futuro apenas de jatos. Mas o futuro iria se mostrar imprevisível mais vezes.
Clique aqui para ler a Parte 1
Anos 1970 - Supersônicos VS Wide-bodies
No final dos anos 1960 o domínio dos jatos já estava claro. Mas qual seria o futuro? Será que iríamos ver um B707 esticado para caber mais passageiros? E de fato a Boeing chegou a estudar isso, mas acabou descartando esse projeto para focar em algo totalmente novo, graças aos pedidos insistentes da Pan Am.
"O 747 é o lançamento mais revolucionário e fascinante da indústria aeronáutica, aguardado com expectativa só comparável à dos vôos pioneiros de Charles Lindbergh ou Gago Coutinho. (...) O lançamento do Boeing 747 significa o nascimento de uma segunda era do jato."
A reportagem da revista Veja, em janeiro de 1970, testemunhava a chegada de uma nova geração de jatos, os wide-bodies, ou seja, aeronaves com dois corredores. Isso significava fuselagens muito mais largas e muito mais espaço para os passageiros. Enquanto na geração anterior, os B707 e DC-8, acomodavam seis assentos por fileira, dispostos em 3+3, na classe econômica, o B747 acomodava dez, dispostos em 3+4+3. Além disso o B747 tinha o comprimento de quase dois B707 e dois andares. O mundo jamais tinha visto uma aeronave comercial tão grande. Os wide-bodies foram responsáveis por iniciar a popularização do transporte aéreo em voos internacionais. Se o B707 podia levar cerca de 140 passageiros, o B747 podia levar 350 - o que fez o custo por assento despencar. Assim as companhias aéreas puderam oferecer bilhetes com preços muito mais acessíveis. O B747 foi sem duvidas o wide-body mais icônico e também o primeiro do mundo. As outras fabricantes se apressaram para produzir os seus, como o DC-10, Tristar e A300.
Não foi só o tamanho que aumentou, os wide-bodies trouxeram também uma nova tecnologia: motores turbofan. Você já reparou que os motores do B737-200 são muito mais delgados do que os do B737-300? A diferença é que a versão 200 usa um turbojet, o mesmo tipo da chamada 1º geração de jatos, tais como o B707 e DC-8. Já a versão 300 usa um turbofan, a mesma tecnologia que chegou no B747. O turbofan também é um motor a jato e muito semelhante ao turbojet. Sua diferença mais visível é um ventilador que fica na frente do motor, por isso o motor precisa ser maior. Esse ventilador fornece uma operação mais eficiente ao permitir mais fluxo de ar para dentro e para fora do motor do que o turbojet. Em comparação aos turbojet, os motores turbofan são mais econômicos, menos poluidores, mais silenciosos e mais potentes. Não é à toa que ele rapidamente virou o tipo dominante de motor a jato e ainda é o dominante até os dias de hoje. Porém o turbofan tem suas desvantagens: manutenção mais complexa e, por ser maior, o motor gera mais arrasto e peso na aeronave.
Interior do B747 nos anos 1970
Se por um lado a chegada dos wide-bodies popularizou as passagens em classe econômica, por outro a primeira classe elevou o nível de luxo a bordo. O tamanho do B747 permitiu a instalação de lounge, bar e várias outras comodidades inéditas. A Pan Am, por exemplo, já teve uma sala de jantar dentro da aeronave, com 14 lugares em três mesas para quatro pessoas e uma para duas.
Apenas seis anos após o lançamento do Boeing 747 e uma revolução no transporte aéreo comercial, o mundo veria uma nova aeronave que poderia mudar tudo de novo.
"Espetacular? Mais que isso. Com a viagem inaugural Paris-Rio-Paris, o Concorde estará provavelmente iniciando a mais dramática aposta da aviação comercial em qualquer época - tão dramática que boa parte do mundo chegou a acreditar que ela nunca seria feita. (,,,) O Concorde abre esta semana, enfim, a sonhada era supersônica para os vôos de carreira."
Em janeiro de 1976 a revista Veja estava anunciando a chegada do Concorde no Brasil. Só pela aparência, diferente dos jatos convencionais, a aeronave já chama a atenção de qualquer um. Suas asas em formato ogival delta foram desenhadas especialmente para voos supersônicos. O nariz pontudo sobe e desce para facilitar a visão dos pilotos, uma vez que suas asas requerem um alto ângulo de ataque para manter a sustentação em baixas velocidades, levantando muito o nariz do avião e prejudicando a visão.
Enquanto o B747, jato mais veloz na época, precisava de 12h para realizar um voo entre Rio e Paris, o Concorde fazia isso em apenas 6h30 - isso ainda fazendo uma escala técnica em Dakar por causa do alcance limitado. Já o voo entre Nova York e Paris, o Concorde fazia em 3h20, enquanto o B747 demorava pelo menos 7h30 (nesse caso um passageiros que saísse de Paris pelo Concorde, chegaria em Nova York praticamente no mesmo horário que partiu em Paris, devido ao fuso horário). Em outras palavras o Concorde facilmente fazia o mesmo trajeto dos jatos tradicionais em menos da metade do tempo. Isso graças a sua velocidade, que alcançava duas vezes a velocidade do som ou Mach 2.0. Os jatos convencionais como o B747 têm velocidade subsônica, ou seja, menor que a velocidade do som (Mach 1.0), voando entre Mach 0.85 e Mach 0.88.
Quem iria querer gastar o dobro do tempo em um gigante "lento", enquanto podia chegar muito mais rápido no seu destino pelo Concorde? Isso é o que as pessoas se perguntavam na época do lançamento da aeronave. Para muitos estava claro que os aviões supersônicos eram o futuro e em breve os turbofan seriam coisa do passado.
Concorde da Air France no Galeão - Rio de Janeiro em 1977
Sem querer perder a hegemonia para a Europa, as fabricantes americanas correram para projetar os seus próprios aviões supersônicos. A Boeing lançou o Boeing 2707, uma aeronave capaz de levar entre 250 e 300 pessoas em velocidade Mach 3.0, ou seja, três vezes a velocidade do som. Já a Lockheed lançou o L2000, com capacidade para cerca de 200 passageiros e velocidade de cruzeiro Mach 2.5. O governo americano se comprometeu a subsidiar 75% do desenvolvimento de um avião comercial para competir com o Concorde. O projeto SST (SuperSonic Transport) consumiu milhões e milhões de dólares sem ter um resultado satisfatório. Em março de 1971 o Senado dos EUA rejeitou a proposta de continuar o financiamento e o projeto foi encerrado.
Enquanto isso o Concorde ia bem e recebeu encomenda para mais de 100 unidades das principais companhias aéreas do mundo (uma delas era a Panair do Brasil). Porém as coisas começaram a mudar mesmo antes do primeiro Concorde ficar pronto.
Um problema ambiental: Os jatos supersônicos começaram a preocupar a opinião pública com relação a poluição ambiental e sonora que essas novas aeronaves poderiam trazer. Os EUA e outros países, como a Índia, acabaram proibindo voos supersônicos no território nacional, devido à poluição sonora. Isso significou que o Concorde perdeu um pouco da sua eficiência ao ter que voar em velocidades mais baixas por mais tempo.
Crise do petróleo em 1973: Todos já sabiam que o Concorde teria um consumo de combustível muito mais alto do que qualquer outro jato em operação. Mas isso poderia ser compensado pela maior velocidade, de modo que menos aeronaves seriam necessárias para cobrir uma mesma rota. Mas esse equilíbrio ficou muito mais difícil depois que o custo do combustível disparou.
Preço mais alto: Os custos de desenvolvimento do Concorde foram mais de seis vezes maiores do que o previsto, fazendo com que o preço da aeronave precisasse aumentar para compensar. Em outubro de 1972 um único Concorde estava custando USD 58 milhões, mais que o dobro de um B747 (USD 28 milhões) e mais de sete vezes o preço de um B707 (USD 8 milhões). O Jumbo custava 2,5 vezes o preço do 707, porém ele era capaz de transportar até mais de 2,5 vezes o número de passageiros. Já o Concorde transportava no máximo 100 passageiros, menos do que o B707.
Conclusão: todas as encomendas foram canceladas. Só sobrou a Air France e British Airways, que iriam comprar a qualquer custo, por questões políticas.
Para os mais otimistas isso era só um contratempo. O Concorde provaria que os jatos supersônicos são muito superiores e era uma questão de tempo para novas versões mais econômicas e eficientes aparecerem e despertarem o interesse de todas as companhias aéreas. O B747 seria apenas uma moda passageira e estaria relegado ao transporte de carga em poucos anos.
Os passageiros empolgados e curiosos para voar nessa nova máquina, muitas vezes ficavam um pouco decepcionados com o que encontravam a bordo. Nada de corredores amplos e espaço: a fuselagem do Concorde era super fina (para garantir a aerodinâmica), tornando a cabine mais apertada do que um Boeing 737. Eram quatro assentos por fileira distribuídos 2+2 e as poltronas em nada lembravam os assentos gigantescos de primeira classe. As janelas eram menores do que qualquer outro jato, feitas assim para que em caso de despressurização a aeronave tenha tempo de descer para uma altitude com oxigênio suficiente para a respiração humana. O Concorde tinha uma altitude de cruzeiro muito maior do que os jatos comuns, tão alto que era possível observar a curvatura da Terra. Talvez a única coisa que lembrasse uma primeira classe era a refeição. A aeronave não possuía nem cinema a bordo, coisa já comum nos jatos de grande porte. E o preço? Era cerca de o dobro de viajar na primeira classe de um B747.
Interior do Concorde
Ao invés de se tornar o padrão, o Concorde virou um símbolo de status e luxo, disponível apenas para uma parcela muito restrita da população. O fabricante não conseguiu lucrar com a aeronave e nem as duas únicas companhias aéreas que o operavam. O golpe final foi um acidente ocorrido em um voo da Air France em julho de 2000. A ocupação dos voos despencou e o custo de operação se tornou insustentável, levando a aposentadoria do tipo em outubro de 2003.
Por que o Concorde falhou?
A verdade é que o Concorde se mostrou muito mais caro de operar do que o previsto. Vários fatores contribuíram para isso, incluindo os custos muito maiores para o desenvolvimento, o preço final do produto muito mais alto do que o esperado, preocupações ambientais e politicas criaram barreiras que tornaram a operação ainda mais custosa e o choque do petróleo de 1973, que acertou em cheio o ponto fraco de ser uma aeronave que consumia muito mais combustível do que as outras. A operação do Concorde nunca foi lucrativa, já em 1976 a Air France declarava prejuízos milionários com o jato supersônico. Mesmo após ter permissão de voar para Nova York, o avião só tinha demanda suficiente em pouquíssimas rotas. Dessa forma o Concorde não voava o suficiente nem para cobrir os custos de operação.
Por que os jatos atuais não conseguem voar mais rápido?
O Concorde não poderia usar motores turbofan, simplesmente porque eles não são adequados para voos supersônicos. Os ventiladores dos turbofan jamais conseguiriam ser aerodinâmicos o suficiente para se alcançar velocidades superiores a do som. Eles são perfeitos para velocidades próximas, mas não maiores do que a do som. Os motores turbofan são usados até hoje, inclusive pelos jatos mais modernos. Por isso a velocidade se mantem basicamente a mesma do primeiro jato comercial, lançado nos anos 1950. Isso não quer dizer que os motores turbofan não evoluíram. Vamos falar sobre essa evolução no próximo tópico.
Por que não vimos mais outro jato supersônico comercial?
O próprio Concorde mostrou ao mundo que um jato supersônico comercial é muito mais complexo e, principalmente, caro de se produzir do que o calculado. As poderosas fabricantes americanas, mesmo com financiamento do governo, não foram capazes de tornar seus projetos uma realidade, apesar de consumirem muito, muito dinheiro. O único outro jato supersônico comercial do mundo foi o Tupolev Tu-144, porém apresentou problemas de confiabilidade e operou por pouco tempo. O Concorde também provou que um jato supersônico comercial bem-sucedido teria que ser muito mais econômico e eficiente, uma coisa muito difícil pelo próprio fato de ser um jato supersônico.
Como falado anteriormente, o Concorde não usava motores turbofan e sim motores turbojet (a mesma tecnologia dos motores do B707), que consumiam mais combustível, eram menos eficientes, menos potentes e mais barulhentos. E mesmo com quatro motores turbojet, o Concorde ainda precisava de mais potência em alguns momentos. É o processo de afterburner, que injeta combustível adicional, gerando mais empuxo. Porém isso também aumenta ainda mais o consumo de combustível de um motor que já tem pior desempenho que o turbofan. Além de precisar utilizar o afterburner na decolagem, o avião também precisava dele na velocidade transônica (perto de Mach 1.0). Quando está se aproximando da velocidade do som, aparece um fenômeno que aumenta o arrasto e impede o avião de continuar acelerando. Para vencer essa barreira é preciso uma potência adicional. Só depois que o Concorde ultrapassa a velocidade do som, o consumo de combustível dava uma reduzida. Mesmo sabendo que o consumo de combustível seria muito superior, se acreditava que a velocidade iria compensar. Mas a realidade mostrou que isso não foi o suficiente, ainda mais com um aumento no preço do petróleo de 300%, após o choque de 1973.
Entre velocidade e redução do consumo de combustível, as companhias aéreas escolheram a segunda opção. O caminho de aeronaves cada vez mais eficientes, menos poluidoras e mais silenciosas era exatamente o caminho oposto ao Concorde. Era o caminho dos wide-bodies, que além da economia trouxeram passagens mais baratas e acessíveis.
Refeições a bordo do Concorde (Abril Press)
Anos 1980 e 1990 - O mito dos quatro motores e a desregulamentação
"Algo impensável em termos de operação aérea há poucos anos atrás está-se transformando em rotina: vôo de longo alcance em bimotores a jato como o Boeing 767/757 e o Airbus A300/A310. Estes vôos não devem mais surpreender os passageiro (...). Segundo pesquisas os passageiros aceitam o bimotor em rotas intercontinentais com a mesma naturalidade de um DC-10 ou 747. Ou porque simplesmente sobem a bordo sem ligar para o que acontece em seu redor, ou porque confiam nos argumentos estatísticos."
A reportagem de Ernesto Klotzel, em junho de 1988, anunciava uma grande transformação silenciosa no mundo das viagens intercontinentais. Desde os primórdios da aviação comercial, quando foram lançados os grandes flying boats S-42 e Boeing 314, e o maior litoplano comercial da época, o DC-4, todas as aeronaves que cruzavam os oceanos usavam quatro motores. A primeira aeronave a quebrar essa regra foi o DC-10, que utilizava três motores. Os passageiros se sentiam mais seguros em cruzar os oceanos numa aeronave de quatro motores; ora se um motor falhar ainda tem outros três. Aliás isso era uma crença institucionalizada, haviam regras que impediam os jatos com apenas dois motores de cruzar oceanos. Os trimotores, como o DC-10, não sofriam essa restrição, afinal se um motor falhar ainda tem mais dois. Entretanto, seguindo o caminho de aeronaves cada vez mais eficientes, o lançamento de wide-bodies bimotores como o A300 e Boeing 767, iniciaram uma discussão sobre a possibilidade de uma aeronave de apenas dois motores cruzar os oceanos. Além da economia gerada com o uso de apenas dois motores, como menor consumo de combustível, menor tempo de manutenção e menor custo de operação, aeronaves mais modernas como o Boeing 767 dispensavam a necessidade de um engenheiro de voo, o que diminuiu ainda mais os custos de operação.
Boeing 767
"O inferno terá um dia de frio antes que eu deixe bimotores voarem em rotas de longo curso sobre a água"
Essa foi a fala do diretor da FAA, J. Lynn Helms, quando questionado sobre a possibilidade de aeronaves de dois motores cruzarem os oceanos.
Em meio a muita discussão, os números não mentiam. Os motores turbofan tinham chegado em um nível de confiabilidade tão grande que a chance de um motor falhar em pleno voo era extremamente baixa e estatisticamente não fazia muita diferença se aeronave tinha quatro ou dois motores. Ademais os turbofan também tinham evoluído a ponto de uma aeronave com dois motores conseguir continuar voando com apenas um motor. Em 1982, com o lançamento da versão ER (Extended Range), o Boeing 767 iniciou a era dos chamados ETOPS (Extended Twin Operations). A regra foi estabelecia em 1936, e impedia que uma aeronave bimotor voasse mais longe do que 160 km de um aeroporto para pouso. Isso obrigava que a rota fosse traçada sempre observando que um aeroporto deveria estar no máximo a 160 km de distância. Em 1953 a regra mudou de distância para tempo de voo, agora a aeronave deveria estar a 60 minutos de voo de um aeroporto para pouso. Em 1985 o tempo foi dobrado para 120 minutos e, em 1988, aumentado para 180 minutos, tornando assim possível a travessia dos oceanos pelos bimotores.
Com os bimotores fazendo voos intercontinentais, o preço das passagens ficou mais baixo e foram criadas rotas que antes eram inviáveis. Eles também trouxeram o fim dos jatos trimotores e uma queda acentuada na venda dos quadrimotores. Em 2007 a FAA liberou os bimotores para voar sem restrições, até o limite de seus respectivos alcances.
"(...) Uma inovação que promete agitar intensamente a aviação comercial nos próximos meses. Com uma política de preços baixos permanente, e não apenas promocionais, a empresa quer se solidificar alargando o gargalo do transporte aéreo no país, limitado a um reduzido círculo de 5 milhões de pessoas."
A reportagem de Valdete Cecato, em janeiro de 2001, anunciava a chegada da Gol, com o conceito low cost, low fare, ainda inédito no país. A criação desse modelo de operação só foi possível graças a desregulamentação do setor.
Em 1978 o Airline Deregulation Act entrou em vigor nos EUA. A desregulamentação do mercado trouxe o inicio de uma nova era na aviação comercial. As mudanças econômicas durante a década de 1970, como a crise do petróleo de 1973 e a estagflação, geraram discussões no Congresso dos EUA sobre as ineficiências causadas pelo sistema rígido de controle na aviação comercial até então praticado não só nos EUA, mas no mundo todo. Tarifas, rotas e a entrada de novas empresas era totalmente controlado pelos governos de cada país, de modo que as companhias aéreas tinham praticamente lucro garantido. No Brasil, por exemplo, o DAC impedia que qualquer outra companhia aérea cobrasse menos do que a Varig em voos internacionais. Com a desregulamentação todos esses controles foram retirados, o que gerou um grande aumento da competição e a reformulação de todo o setor.
Agora livres para fazer as rotas do jeito que querem, as companhias aéreas começaram a criar o sistema de hub. A mudança também possibilitou a criação de um conceito inédito, o "low cost, low fare". A pioneira foi a Southwest Airlines, ainda nos anos 1970. Esse novo tipo de companhia aérea conseguia vender passagens pela metade do preço das companhias tradicionais, graças a sua estrutura muito mais enxuta, gerando um custo de operação muito menor. Em 1990 as low cost, low fare chegaram na Europa e, nos anos 2000, no Brasil. Em fevereiro de 2002, quando a Gol passou a operar na Ponte Aérea RJ-SP, o preço de uma passagem de ida e volta caiu de R$ 574 para R$ 400 - uma redução de 30%.
Se por um lado o preço das passagens estava caindo, por outro as companhias aéreas tradicionais, acostumadas a ter seu mercado cativo, começaram a entrar em dificuldades financeiras. Se elas quisessem sobreviver, teriam que acompanhar o mercado, reduzindo as tarifas e cortando custos. Muitas não sobrevieram. Companhias aéreas consideradas importantes demais para falir sucumbiram por não conseguirem se adaptar a nova realidade, entre elas a Aeroperu, Braniff, Canadian, Eastern, LAB, Pan Am, Swissair, TWA, Varig e Viasa. E essa lista poderia ser muito maior, companhias como Air France, Alitalia e Japan Airlines só não acabaram porque foram salvas pelos governos de seus respectivos países.
E parou por ai? Não! Ainda haviam mais mudanças na década de 1990, a criação das alianças aéreas globais. A pioneira foi a Star Alliance, em 1997. Encaradas por muitos como uma "fusão virtual", as alianças permitiram que as companhias aéreas acessassem mais de mil destinos sem precisar ter voos próprios, além de compartilhamento de lojas, espaço no aeroportos, programas de fidelidade e code-share. As alianças globais racionalizaram as malhas internacionais das companhias aéreas, melhorando a lucratividade das empresas. Esse movimento fez as companhias aéreas enxergarem que juntas são mais fortes e foi o prelúdio para o que iria acontecer nos anos 2000: as fusões. Nomes como America West, Continental, Lan, NWA, Tam e USAir sumiram do ar em prol de uma companhia aérea maior e mais bem preparada para competir. Se na década de 1990 haviam sete grandes companhias aéreas nos EUA, nos anos 2010 só haviam três. Na Europa as fusões também aconteceram, porém as marcas foram mantidas.
Anos 2000 e 2010 - Tamanho VS Eficiência
"Esta é a primeira tentativa ousada da indústria aeronáutica de se preparar para o crescimento de 84% do tráfego aéreo previsto para as próximas décadas. A supermáquina, chamada A3XX, deverá decolar no ano de 2003. (...) Seus executivos calculam que, em vinte anos, haverá mercado para 1380 aviões gigantes nas linhas mais movimentadas do planeta."
A reportagem de Daniel Nunes Gonçalves, em março de 1997, corroborava com o entendimento na época de que seria necessário aeronaves cada vez maiores para dar conta da demanda crescente de passageiros. Aliás esse foi o mesmo pensamento que culminou na criação do Boeing 747, cerca de 30 anos antes, e agora motivava a Airbus na criação do seu "super jumbo" A380. A ideia era que com o crescente aumento da demanda e a limitação dos aeroportos mais movimentados, a saída seria aeronaves cada vez maiores. A Boeing tentou contra-atacar com versões maiores do B747, mas estas não podia competir uma aeronave projetada do zero como o A380. Por achar muito arriscado e custoso investir em um novo Jumbo do zero, a Boeing apostou em outro futuro. Nele novas rotas sem escalas seriam criadas por aeronaves menores, porém mais eficientes. A criação de rotas antes inviáveis acabaria por desafogar o tráfego em rotas de alta demanda. A partir dessa visão, foi lançado o Boeing 787.
"A incomparável eficiência de combustível e flexibilidade de alcance do 787 ajudam as companhias aéreas a otimizar suas frotas e redes enquanto abrem novas rotas sem escalas."
O trecho retirado do site da Boeing ilustra a aposta da fabricante para o futuro. Apesar de terem apostas opostas, Airbus e Boeing também garantiram presença no futuro do outro, com o lançamento do Boeing 747-8 e do A350. A resposta das companhias aéreas foi bem claro, venceu mais uma vez o caminho de aeronaves cada vez mais eficientes. E esse não era mais representado pelos quadrimotores e sim pelos bimotores. Embora os quadrimotores tenham maior capacidade de passageiros, a economia trazida pelos bimotores falou mais alto. Além do mais, com o lançamento do Boeing 777-300, os bimotores conseguiram atingir uma capacidade muito próxima aos quadrimotores.
Visual inicial do Boeing 7E7 (787)
O Boeing 747-8 encontrou apenas três clientes para a versão de passageiros, enquanto o A380 ficou relegado em poucas rotas de alta demanda e, principalmente, para companhias aéreas do Oriente Médio, com um modelo especifico de hub para voos de longa distância. Com a introdução dos bimotores de última geração como o A350 e B787, até mesmo para essas companhias o A380 se tornou antieconômico.
E finalmente chegamos no presente, numa aviação comercial dominada pelos jatos com motores turbofan, grupos aéreos gigantescos, passagens aéreas acessíveis para o grande público e o meio de transporte mais seguro do mundo.
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