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Por que não tem mais aeronaves com quatro motores?
No dia 31 de janeiro de 2023 a Boeing entregou o último B747 fabricado no mundo, encerrando uma trajetória de 53 anos desde que o primeiro "Jumbo" foi entregue para a Pan Am em janeiro de 1970 e revolucionou o mercado de aviação comercial. Nessas mais de cinco décadas, o B747 se tornou um ícone, uma das aeronaves mais famosas de todos os tempos e também uma das preferidas de muitos amantes da aviação. O motivo não é difícil de adivinhar: o 747 foi por mais de 30 anos a maior aeronave comercial de passageiros do mundo. Foi também o primeiro wide-body (avião de dois corredores) do mundo e um dos responsáveis pela popularização do transporte aéreo. Devido a sua enorme capacidade de passageiros, o B747 oferecia um custo por passageiro muito menor do que qualquer outro jato comercial na época, permitindo a diminuição do preço das passagens aéreas. Em pouco tempo o B747 se tornou sinônimo de voos internacionais e todas as companhias aéreas queriam ter esse modelo na frota. Muitas inclusive claramente não tinham demanda para uma aeronave tão grande, mas mesmo assim tinham o Boeing 747, nem que fosse apenas uma unidade.
Se no final do Século XX um avião gigante de quatro motores era o orgulho da frota de qualquer companhia aérea, hoje essas aeronaves estão no topo da lista para serem aposentadas e substituídas por modelos mais eficientes. Mas por que aeronaves de quatro motores estão sumindo?
Potência do motor
Todos os primeiros jatos comerciais para voos de longa distância tinham quatro motores. Não porque era bonito ou eficiente, mas porque não existia um motor potente o suficiente. Os motores são os responsáveis por gerar o empuxo. Quanto maior a capacidade de passageiros, maior o empuxo necessário. Quanto maior é o empuxo necessário, mais potente terá que ser o motor. Se o motor não é capaz de gerar todo o empuxo necessário sozinho, a lógica é adicionar mais motores até que, em conjunto, eles ofereçam o empuxo necessário para a aeronave.
Muitas aeronaves comerciais ao longo da história usaram essa lógica, como por exemplo o Dornier Do-X, que mesmo usando o motor mais potente disponível na Alemanha na época, precisou usar 12! motores. O Antonov An-225 usa seis motores, pois quatro do mesmo tipo não gerariam empuxo suficiente. A medida que o avanço da tecnología permitiu a criação de motores mais potentes, as fabricantes e companhias aéreas costumaram dar preferência para a utilização de menos motores de mais potência, visando economia de custos e maior eficiência.
Performance
Após a Primeira e Segunda Guerra Mundial a Alemanha foi proibida de produzir motores muito potentes. Sendo assim era comum que aeronaves comerciais bimotores (com dois motores) fossem adaptadas para o uso de três motores (trimotor), garantindo assim mais potência para a aeronave e melhor performance. Outro exemplo são aeronaves desenvolvidas para ter uma boa performance STOL, como por exemplo o DHC-7 e os BAe 146. As duas utilizam quatro motores ao invés de dois para garantir que sejam capazes de decolar e pousar em pistas curtas e sem pavimentação. Porém o desempenho de vendas desses modelos mostrou mais uma vez que, na maioria das vezes, as companhias aéreas preferem modelos mais econômicos eficientes do que aeronaves otimizadas para operações específicas.
Regulação
Antes dos anos 1980 apenas aeronaves de quatro ou três motores podiam cruzar os oceanos sem escalas, devido ao regulamento ETOPS, que limitava a distância máxima que uma aeronave de dois motores podia estar de um aeroporto. Essa regra remonta aos primórdios da aviação comercial, quando as aeronaves tinham motores a pistão, muito menos confiáveis do que os motores atuais. Apesar de possuir quatro motores, o Constellation tinha o apelido de "melhor trimotor do mundo", em referência a baixa confiabilidade de seus motores. Raramente a aeronave conseguia completar um voo longo com os quatro motores funcionando. Numa época em que era mais comum os motores falharem em pleno voo, quanto mais motores melhor! Os aviões de três ou quatro motores eram vistos como mais adequados e seguros para realizar voos longos. No entanto essa percepção começou a mudar quando os motores foram se tornado cada vez mais confiáveis e as falhas em voos foram se tornando cada vez mais raras.
Os trimotores
O primeiro passo para o fim do reinado dos quadrimotores em rotas de longa distâncias foi o surgimento dos wide-body trimotores. O DC-10 e o Tristar foram lançados na década de 70 como concorrentes do Boeing 747. Porém ambas as aeronaves eram menores que o 747 e levavam menos passageiros. Justamente por serem menores, as duas tinham três motores ao invés de quatro, garantindo menor custo de manutenção e de operação, além de menor consumo de combustível. Tudo isso era muito atraente para as companhias aéreas, porém elas também precisavam de uma aeronave com grande alcance para realizar voos intercontinentais. O DC-10 e o Tristar incorporaram os últimos avanços tecnológicos da época, que permitiam que apenas três motores resultassem em um alcance suficiente para voos de longa distância. Mesmo assim, por possuir quatro motores, o Boeing 747 ainda tinha um alcance maior.
Com o tempo e a evolução tecnologia, o alcance dos trijatos foi se aproximando dos quadrimotores. O DC-10 foi bem sucedido nesse quesito quando a General Electric foi rápida em desenvolver um motor com mais empuxo, permitindo que o alcance da nova versão DC-10-30ER fosse significativamente maior do que o do Tristar. Além dos problemas enfrentados com os motores da Rolls-Royce, a Lockheed demorou para conseguir lançar sua versão de longo alcance, contribuindo para o fracasso do Tristar. Na década de 1990, o trijato MD-11 conseguiu praticamente igualar o alcance do Boeing 747.
Quando os grandes trijatos chegaram no mercado, logo se mostraram uma alternativa ao B747 para companhias aéreas que queriam um jato com menor capacidade e mais econômico. O DC-10 foi escolhido pela Varig para ser o seu primeiro wide-body. Apesar da tentação de escolher o Jumbo, a empresa concluiu que a demanda no mercado brasileiro na época não justificava uma aeronave tão grande.
Apesar de mais econômico do que um quadrimotor, os trijatos acabaram durando menos tempo no mercado do que os aviões de quatro motores. E a culpa foi dos bimotores (aeronaves com apenas dois motores).
Os bimotores
O primeiro wide-body tinha quatro motores. Depois surgiram os primeiros jatos wide-bodies com três motores. Seguindo essa lógica em algum momento uma fabricante iria lançar um wide-body com dois motores. E foi isso que aconteceu, quando a Airbus lançou o A300, em 1972. Uma aeronave revolucionária para época, mas talvez a frente do seu tempo. No inicio a Airbus teve muita dificuldade para encontrar compradores para o A300. Apesar de ser muito mais econômico do que qualquer outra aeronave do mesmo porte na época, principalmente pelo fato de usar apenas dois motores, o A300 não tinha um alcance muito grande e não era capaz de realizar voos de longa distância como os trijatos e quadrimotores.
Foi o primeiro wide-body bimotor da Boeing que abriu caminho para o reinado dos bimotores nos voos de longa distância. O Boeing 767 era um pouco menor do que o A300 e tinha um alcance ligeiramente maior, o suficiente para realizar voos entre costa leste dos Estados Unidos e a Europa. As companhias aéreas logo ficaram animadas com a potencial economia que um bimotor traria nos voos intercontinentais. Porém o B767 esbarrava no regulamento ETOPS. Para que os bimotores pudessem competir de igual para igual com os trijatos e quadrimotores, era necessário aumentar o tempo mínimo de distância para o aeroporto mais próximo. Na época houve muita discussão e resistência aos bimotores em voos de longa distância. Mas em 1985 o B767 foi certificado para voar numa distância mínima de 120 minutos do aeroporto mais próximo, viabilizando voos entre os EUA e a Europa. Em 1982 a Boeing havia lançado uma versão com tanques de combustível extra (Extend Range), permitindo que o Boeing 767 tivesse praticamente o mesmo alcance dos trijatos. A partir desse momento os aviões wide-body de três motores se tornaram obsoletos. Nem mesmo o mais recente deles (MD-11) era capaz de competir com a economia de um bimotor. Enquanto os trimotores não tiveram chance, os quadrimotores ainda tinham algumas cartas na manga.
Capacidade
Os primeiros bimotores wide-body de longa distância tinham capacidade de passageiros semelhante aos grandes trijatos, mas ainda eram significativamente menores do que os grandes quadrimotores. Boeing e Airbus se aproveitaram dessa vantagem construindo quadrimotores ainda maiores, com maior capacidade de assentos e capazes de gerar um custo por passageiro cada vez menor. Aliado a isso, os quadrimotores ainda tinham uma pequena vantagem no alcance. Enquanto um Boeing 767-300ER tinha alcance máximo de 11 mil quilômetros, o Boeing 747-400ER conseguia voar sem parar por mais de 14 mil quilômetros. Em algumas rotas isso era a diferença entre uma escala técnica e um voo direto.
O Boeing 777-200ER, lançado em 1997, subiu a régua. O mais novo e maior bimotor já fabricado até então tinha a mesma capacidade de passageiros e maior alcance que o trimotor MD-11 e o quadrimotor A340-300, usando apenas dois motores. Em 2003 foi lançado uma versão ainda maior, Boeing 777-300ER, alcançando a mesma capacidade de passageiros do quadrimotor A340-600. Os únicos quadrimotores wide-body que sobraram no mercado foram o veterano Boeing 747 e o "Super Jumbo" A380. Ambos ainda não tinham um bimotor com capacidade de passageiros similar. Mesmo assim a busca por aviões mais econômicos prevaleceu em relação a grande capacidade. Mesmo que o A380 possa transportar o mesmo que dois A330-200, a dinâmica do mercado de aviação comercial mudou. Hoje as companhias aéreas enfrentam uma concorrência cada vez maior e o custo do combustível é cada vez mais alto. As empresas concluíram que faz muito mais sentido escolher uma aeronave menor, mais econômica e eficiente do que ter um avião gigantesco, que só é eficiente em rotas com altíssima demanda de passageiros. O wide-body quadrimotor mais moderno e avançado, A380, só conseguiu encontrar um nicho muito específico de mercado, sendo majoritariamente operado pelas companhias aéreas do Oriente Médio, que têm um modelo forte de HUB e voos de longa distância. Essas companhias representam 66% de todos os A380 produzidos.
A nova geração de bimotores wide-body colocaram um fim definitivo nos gigantes quadrimotores. Os Boeing 787 e Airbus A350 oferecem uma economia de 20% a 30% em relação a geração de bimotores wide-body anterior, que já era muito mais econômica do que os quadrimotores. Mesmo que a capacidade do A380 ainda seja superior a qualquer wide-body no mercado, a economia gerada por esses novos bimotores fala mais alto. Além disso, a Boeing já esta desenvolvendo uma versão maior do 777, conhecida como B777-9. Essa versão terá uma capacidade de passageiros semelhante a um Boeing 747-400, porém usando apenas dois motores. Com um bimotor desse porte, a única salvação dos quadrimotores seria aumentar ainda mais a capacidade. E a Airbus fez isso, tentando emplacar uma versão ainda maior do A380, conhecida como A380-900. Porém não houve interesse de nenhuma companhia aérea. A última tentativa de salvar o Super Jumbo, foi o lançamento de uma versão de mesmo tamanho, porém mais econômica e eficiente, conhecida como A380Plus, em 2017. Mas também não houve nenhum interessado. Já a Boeing, apesar de mais conformada, lançou em 2014, um programa de melhoria para o B747-8, conhecido como Projeto Ozark.
Sem novas encomendas, o último A380 ficou pronto em março de 2021. Já o último B747-8 foi entregue em janeiro de 2023. Se antes as companhias aéreas almejavam ter os gigantes em suas frotas, hoje quem tem quer se livrar deles o mais rápido possível. Em fevereiro de 2023, dos mais de 1500 Boeing 747 produzidos, apenas cerca de 400 estão em operação em todo o mundo. A grande maioria deles (94%) das versões mais recentes B747-400 e B747-8. Dos que estão em operação, quase 80% operam como cargueiros. Uma realidade bem diferente de 20 anos atrás, quando mais de mil Boeing 747 estavam em operação em todo o mundo. Hoje basicamente as únicas operadoras da versão de passageiros são a Lufthansa, Korean Air e Air China, todas operando a versão mais recente B747-8. Já o A380 possuí cerca de 140 unidades em operação em fevereiro de 2023, apenas 55% do total fabricado. Das quatorze companhias aéreas que encomendaram o modelo, quatro já aposentaram definitivamente e pelo menos três já afirmaram que pretendem aposentar o modelo nos próximos anos. Até mesmo a dona da maior encomenda e da maior frota de A380, Emirates, já iniciou a aposentadoria das unidades mais antigas. Atualmente a frota da Emirates representa 66% de todos os A380 em operação no mundo.
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