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sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

A maioria das companhias aéreas brasileiras duraram pouco

Qual é a maneira mais fácil de se tornar um milionário? Resposta: Ser um bilionário e abrir uma companhia aérea. 

Essa frase resume o quão difícil é o setor aéreo, não só no Brasil mas no mundo inteiro. As companhias aéreas estão sujeitas a vários fatores que elas não podem controlar, tornando difícil de ser um negócio consistentemente lucrativo. 

Já foram criadas mais de 100 companhias aéreas no Brasil 
Os brasileiros estão acostumados a ler nos jornais sobre três ou quatro grandes companhias aéreas nacionais, porém o Brasil já teve mais de uma centena de companhias. A maioria delas faliu ou foi comprada por outra companhia aérea, refletindo a dificuldade de se manter nesse setor.

O Brasil teve duas grandes explosões no número de companhias aéreas: a primeira no final da Segunda Guerra Mundial, no embalo do DC-3, e outra com a desregulamentação do setor aéreo na década de 90. Nas duas vezes o setor logo depois passou por um processo de consolidação com várias companhias aéreas falindo ou sendo compradas, reduzindo o número para três ou quatro grandes e algumas poucas regionais. A seguir vamos falar um pouco de cada período da aviação comercial brasileira.


Nas asas da Alemanha, França e EUA
Ao pesquisar sobre os primórdios da aviação comercial brasileira, as origens alemãs são facilmente encontradas com a criação das duas primeiras companhias aéreas brasileiras Varig e Syndicato Condor (Cruzeiro), respectivamente. O interesse da Alemanha estava ligado ao fim da Primeira Guerra Mundial, onde o Tratado de Versalhes proibiu a construção de aviões militares na Alemanha. Dessa forma, enquanto os Estados Unidos investiam na aviação militar, os alemães focaram na aviação comercial. Desde o início do século XX a Alemanha começou a estabelecer áreas de influência na América Latina, buscando mercados para seus produtos e matéria-prima para suas fábricas, com objetivo de superar sua limitação territorial e a depressão alemã. Enquanto a Varig se tornou uma companhia regional independente, a Syndicato Condor tinha ligação direta com a Lufthansa, sendo usada como uma subsidiária regional para alimentar os voos da companhia alemã para o Brasil e América do Sul. Com investimentos da matriz na Alemanha, a Syndicato Condor logo se tornou a maior companhia aérea do Brasil, com quase 20 aeronaves já em 1933. A Alemanha também tratou de equipar a frota de quase todas as companhias aéreas brasileiras da época com suas aeronaves. A mais famosa foi o Junkers JU-52, que operou na Syndicato CondorVarig e Vasp

Menos conhecido foi a participação da França no inicio da aviação comercial brasileira. Quando a companhia aérea francesa, Latécoère, iniciou estudos para criar uma rota para a América do Sul na década de 1920, o Brasil pediu que a empresa criasse uma subsidiária brasileira. Em 1927 foi criada a CBEA, depois conhecida como Aéropostale. Ao contrário da Syndicato Condor, que expandiu pelo Brasil e América Latina, a subsidiária da companhia aérea francesa apenas baseava alguns aviões no Brasil para completar o trajeto entre a Europa e a América do Sul. A Aéropostale brasileira ligava desde o nordeste até o sul, conectando com os voos que vinham da costa norte da África para o nordeste brasileiro e os voos que vinham do Uruguai e Argentina para o sul do Brasil. Porém a Aéropostale durou pouco tempo, sendo substituída pela Air France no inicio dos anos 30.

Os Estados Unidos chegaram atrasados. Apesar da criação da NYRBA, em 1929, as companhias aéreas na América Latina sob influência dos EUA só começaram a ter mais importância no final da década de 1930. Com a escalada da Segunda Guerra Mundial, os EUA começaram a se preocupar cada vez mais com a influência alemã na aviação comercial da América Latina. O Brasil ocupava uma posição estratégica. A região nordeste era fundamental para defender o continente Sul Americano. Através da Panair, subsidiária da Pan Am no Brasil, os EUA construiu e melhorou aeroportos em toda a costa norte-nordeste do Brasil, desde Belém até Salvador, incluindo Fernando de Noronha. A partir daí a Panair começou a crescer rapidamente, tirando a liderança da Syndicato Condor. O mesmo ocorreu em vários outros países da América Latina onde subsidiárias locais da Lufthansa foram substituídas por subsidiárias locais da Pan Am.

Panair foi maior beneficiada durante a Segunda Guerra Mundial. As demais companhias aéreas brasileiras, que usavam aeronaves alemãs em sua maioria, tinha dificuldade para fazer a manutenção e substituir peças. No inicio da década de 1940 a frota da Panair mais que dobrou. Garantir a liderança e a influencia na região significava expandir a malha local, mesmo que os voos não fossem tão lucrativos. Assim o Brasil se beneficiou do aumento do número de cidades atendidas pela aviação comercial. Foi ai que muitas cidades ganharam o seu primeiro aeroporto. Muitas vezes a aviação comercial era o único elo de ligação dessas cidades, oferecendo um transporte rápido e consistente para regiões remotas do país. O mesmo se aplicava para os voos entre os países da América do Sul. Muita gente se surpreende ao ver o mapa de rotas antigo da Syndicato Condor, com rotas para Bolívia e Chile ainda nos anos 30. A reposta é que a Lufthansa tinha uma subsidiária na Bolívia, a LAB, e era importante conectar a malha das subsidiárias locais. A Syndicato Condor também substituiu a Lufthansa na rota para Santiago, depois que a Alemanha precisou se concentrar cada vez mais seus esforços na Segunda Guerra Mundial.


A era Douglas DC-3
Após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial e o apoio do Brasil aos países Aliados, a influencia alemã na aviação comercial brasileira chegou ao fim. A proposta dos EUA foi a compra da Syndicato Condor pela Panair, porém o governo brasileiro queria evitar um monopólio sob a influência americana e nacionalizou a empresa, que passou a se chamar Cruzeiro do Sul. As frotas das companhias aéreas brasileiras foram reequipadas com aeronaves americanas da Douglas, Curtiss, Lockheed e Convair. Porém o mercado de aviação brasileiro e mundial iria mudar para sempre com a chegada do Douglas DC-3. Além de ser uma aeronave extremamente resistente e capaz de operar em aeroportos sem infraestrutura, o fim da Segunda Guerra Mundial inundou o mercado com aeronaves excedente da guerra, fazendo o preço dos aviões desabar. Foi ai que o Brasil viu o primeiro boom de companhias aéreas. Mais de 20 aéreas foram criadas no país durantes os anos 40 e o inicio dos anos 50. Quase todas elas operando os ultrapopulares DC-3. Já ouviu falar de VASD (isso com D) - Viação Aérea Santos Dumont ou da LAP (não é a companhia aérea do Paraguai) - Linhas Aéreas Paulistas? E da LAN (não é a chilena) - Linhas Aéreas Natal? Todas elas nasceram nessa época. 

O "efeito DC-3" também fez com que o Brasil ultrapassasse a marca de mais de 100 cidades atendidas pela aviação comercial. Com uma aeronave barata e capaz de operar em qualquer lugar, dezenas de municípios no país ganharam voos comerciais pela primeira vez. Foi nessa época que surgiu o gigante consórcio Real-Aerovias-Nacional, com uma frota de mais de cem aeronaves (a maioria DC-3).


Consolidação
Com tantas companhias aéreas no mercado, a competição aumentou e os lucros diminuíram. A primeira a sentir as consequências foi a NAB, que acabou sendo comprada pela Lóide Aéreo. Outro fator foi a construção de novas estradas no país, oferecendo uma nova opção mais barata de transporte para cidades que antes só tinham o transporte aéreo como opção viável. Além disso os DC-3 começaram a ficar cada vez mais velhos e precisavam ser substituídos. Os substitutos do DC-3 eram excelentes aeronaves, muito mais modernas. Porém também muito mais caras e sofisticadas, inviabilizando rotas regionais menos rentáveis e aeroportos com poucas infraestrutura. O resultado foi uma onda de consolidação do setor, com muitas companhias aéreas falindo ou sendo compradas pela grandes da época. No final da década de 1960 a aviação comercial brasileira estava reduzida a quatro companhias aéreas: VarigVaspCruzeiro do Sul e Sadia.


A volta das regionais
A partir de 1970 os jatos começaram a operar nas rotas domésticas brasileiras, mudando a dinâmica da aviação comercial. Os jatos eram maiores, levavam mais passageiros e precisavam de uma pista maior para decolar e pousar. A adoção de uma frota cada vez maior de jatos nas companhias aéreas brasileiras, acelerou ainda mais o processo de abandono das rotas regionais e o foco da malha em conectar os grandes centros. Como consequência o número de cidades atendidas pela aviação comercial despencou. A frota brasileira também passou por um ajuste de tamanho, pois um jato Boeing 727 transportava mais passageiros do que três Douglas DC-3. Além disso os jatos diminuíram significativamente o tempo de viagem, necessitando assim de menos aeronaves para cobrir a mesma rota. 

Vendo isso, o governo brasileiro passou a estudar uma forma de aumentar o número de cidades atendidas pela aviação comercial. Por conseguinte foi lançada a SITAR (Sistema de Transporte Aéreo Regional), em 1976. O Brasil foi dividido em cinco regiões e foram criadas cinco novas companhias aéreas regionais: Rio Sul (região sul e Rio de Janeiro), Nordeste (região nordeste), Tam (São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul), Taba (região Norte e Mato Grosso) e Votec (região Centro-Oeste e Sudeste, Pará e Maranhão). O plano do governo deu certo e o número de cidades atendidas pela aviação comercial voltou a aumentar, mas as grandes empresas abandonaram de vez os voos regionais. 


Desregulamentação do setor
Mesmo após a criação da SITAR, o número de companhias aéreas permaneceu estável no Brasil. Porém nos anos 80 ficou claro que a Rio Sul e a Tam foram as que mais deram certo. Enquanto isso as grandes brigavam para ter voos internacionais. Na época a Varig era a única companhia brasileira que tinha autorização para realizar voos internacionais. Vasp e Transbrasil se esforçavam para convencer o governo de que a única salvação para elas eram as tão sonhadas rotas internacionais, com receita em dólar. Porém a Varig tinha grande influência no governo e manteve o status quo até o inicio da década de 1990. Com o fim da ditadura militar no Brasil, Vasp e Transbrasil finalmente viram a oportunidade que estavam esperando. A implementação do Programa Federal de Desregulamentação fez com que a aviação comercial brasileira finalmente experimentasse a desregulamentação do setor, algo que já havia ocorrido na década de 1970 nos EUA. A desregulamentação trouxe grandes mudanças no setor e um novo boom de companhias aéreas brasileiras.

A abertura do mercado permitiu que outras companhias brasileiras e estrangeiras operassem voos internacionais, aumentando a concorrência. Mesmo podendo operar voos para outros países, as companhias brasileiras interessadas ainda dependiam que as rotas que desejassem operar tivessem slots disponíveis. Por isso nos anos 90 podíamos ver voos inusitados como São Paulo - Viena, operado pela Transbrasil e São Paulo - Casa Blanca - Atenas, operado pela Vasp

Já no âmbito doméstico as regionais passaram a poder operar quaisquer rotas, incluindo voos entre os aeroportos centrais, como Santos Dumont - Congonhas. A primeira a surfar nessa onda foi a Tam, que com os seus Fokker F-100 se expandiu por todo o país rapidamente, aumentando sua participação no mercado nacional de 2%, em 1991, para 24% em 1999. A Rio Sul logo reagiu adquirindo jatos e ampliando sua malha, se tornando a segunda maior regional do país, apenas atrás da Tam. No entanto não foram só as duas que viram a oportunidade. Na década de 1990 o Brasil viu explodir o número de companhias aéreas brasileiras. Grande parte delas tentaram repetir o sucesso da Tam e/ou ocupar o lugar deixado pelas cinco regionais da SITAR. Isso porque com a liberdade de poder voar qualquer rota, as cinco regionais da SITAR começaram a abandonar as rotas regionais menos lucrativas e focaram em rotas mais rentáveis, entre grandes centros. Foi nessa época que surgiram diversas regionais como Pantanal, Total, Penta, Meta, TAFAbaeté e Passaredo

A combinação das medidas de desregulamentação do setor, estabilização da inflação com o Plano Real e cambio estável, também fizeram outro segmento se destacar: o transporte de carga aérea. Também nos anos 90 várias companhias aéreas cargueiras foram criadas como DigexItapemirim CargoBETASky Master e Absa. Outra novidade que teve vida curta foram as companhias aéreas especializadas em fretamentos. Alguns exemplos são BRA e Fly.

Por fim mais um fenômeno chegou na virada do século, o conceito low cost, low fare. Nascido nos EUA na década de 1970, as companhias aéreas de baixo custo brasileiras começaram a ser criadas a partir dos anos 2000, como a Nacional, Gol e WebJet. Com tantas novidades, o Brasil atingiu o seu pico, com quase 40 companhias aéreas brasileiras em operação.


Nova consolidação
O Brasil nunca havia visto tantas companhias aéreas nacionais e também nunca tinha visto uma competição tão feroz. O grande número de empresas no setor levou a uma nova onda de consolidação e dessa vez quase não sobrou ninguém. Das cinco regionais da SITAR, a Taba encerrou operações em 1999, a Nordeste foi comprada pela Rio Sul e a Votec pela Tam. Das regionais criadas nos anos 90, PentaMeta e TAF acabaram encerrando as operações, a Pantanal foi comprada pela Tam e a Total pela Trip. E dessa vez nem as gigantes escaparam: VarigVasp e Transbrasil fecharam as portas, deixando as novatas Gol e Tam como as novas líderes do setor. De 1999 até 2014 mais de quarenta companhias aéreas foram compradas ou fecharam as portas, fazendo o número de companhias aéreas brasileiras despencar.

Por outro lado, o Brasil teve um novo ciclo de companhias aéreas novatas. Usando a mesma estratégia da geração de regionais dos anos 90, novas companhias aéreas aproveitaram para ocupar o espaço deixado por companhias aéreas que faliram ou que abandonaram rotas regionais, como foi o caso da OceanAir, que iniciou suas operações aproveitando o espaço deixado pela Nordeste. Outras regionais dessa nova leva incluem Puma AirNHT e Noar. Outro destaque foi a criação de novas companhias aéreas cargueiras com aeronaves "quick change", ou seja, que podem facilmente ser convertidos para carga ou passageiros. Assim a empresa pode aproveitar duas atividades: o transporte de carga e fretamentos esporádicos. Um exemplo é a Sideral.
Mesmo assim mais de 60% das companhias aéreas brasileiras criadas desde 2001 duraram menos de 10 anos. A grande exceção dessa geração foi a Azul, que não só completou mais de dez anos de vida, como se tornou uma das grandes ao lado da Gol e Latam.

Apesar de já terem sido criadas mais de cem companhias aéreas brasileiras ao longo de mais de 90 anos de aviação comercial no Brasil, a maior parte delas durou pouco tempo. Ao analisar a participação no mercado das companhias aéreas brasileiras, percebemos que o setor sempre foi dominado por três ou quatro grandes empresas, independentemente se no período haviam muitas ou poucas companhias em operação.


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